quinta-feira, 11 de outubro de 2012

26 jan vinte-doze.

Deitava-se e tinha sempre as mesmas imagens na cabeça. Duas. Três. Sempre as mesmas duas ou três. E a culpa que vem com elas.
Dias de sol e alcatrão quente. A mota a deslizar pelas ruas, o ar morno a rodea-la. A sensação de solidão e liberdade que se sente sempre que se anda de mota. E de dinamismo e fluidez. Uma cidade plana, poeirenta, suja, demasiado seca, aquelas buzinas enervantes que não paravam nem por um segundo, que a sobressaltavam e de que sente agora saudades.
Esta é apenas uma das imagens desdobrada nos seus vários cambiantes. Seca ou inundada. Chuva e a mota parada numa rua inundada. Fragmenta ainda mais. O calor, a humidade, a pele muito mais suave, a cor saudável, as pernas descobertas, o casaco no guarda-roupas, as sandálias, as sabrinas, os chinelos e nada mais que isso. E que estúpido a felicidade estar tão dependente do clima. Ela fecha os olhos e receia desejar sempre tempos passados, achar sempre que o sorriso ficou para trás da esquina que acabou de dobrar, tem medo de inverter a marcha, contornar novamente a esquina e nada daquilo lhe trazer qualquer satisfação. Sabe-o muito bem, e por isso faz o percurso dos dissabores e do isolamento, das saudades, do ser proscrita e mal-diz as pequenas facilidades. Deseja sentir a força que sentia quando entrou no avião sem olhar para trás, sem chorar, sem se despedir com abraços, os olhos cheios de futuro e de esperança. Agora é que ia ser pensava. Hoje deita-se uma vez mais e pensa, e se foi?
Cerra os olhos com mais força. Procura a confusão de cores e escalas que trazem consigo o sono. Quer adormecer e acordar esperta como ele lhe diz milhares de vezes. Tem a certeza que há tanta verdade nas palavras dele. Nisto também. A merda da verdade que não nos serve para nada. Truth is over rated. O pensamento está sobrevalorizado, a razão também, juntamente com a lógica, a moral, e o raio que o parta que não traz conforto nenhum.
Só aconteceu uma vez. Não sem dissabores. Houve uma vez em que ela se cruzou com aquela amiga e, já não sabe bem o que disse, provavelmente guinchou qualquer coisa de transbordante alegria. Era a naturalidade sem culpa, sem ses. Recorda muito bem todos os milhões de ses que se seguiram mas permaneceu sempre o sentimento de naturalidade e intuição naquele encontro. À noite quando fecha os olhos, ele está sempre lá. Cada vez menos nítido, com menos pormenores, mudo, quase sem qualquer cheiro, desvanece um pouco mais em cada noite. Surge contudo como uma extensão natural que a leva a perguntar como é possível sequer as coisas não serem sempre assim. Sente que tem de negociar tudo. E não se trata de as coisas não serem negociáveis, são, claro. É a necessidade de negocia-las.

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