sexta-feira, 9 de novembro de 2012

tu és ao mesmo tempo isso tudo e muito melhor que isso.

Voyer III

Abandonei este espaço durante muito tempo. Não sei porquê. Um dia não foi conveniente, no outro não a vi. Quando dei por mim já não me lembrava do caminho até aqui. Lembrava-me mas não ficava a caminho.

Hoje apercebi-me que estava sentado nesta confeitaria, onde muitas outras vezes me sentei tremendo de excitação. O cheiro é-me perfeitamente familiar, vi até que o empregado insignificante me sorria. Terá pensado que mudei de casa ou de emprego e que a vida me afastou dali. Pode até supor que estou contente por ter voltado hoje para lanchar. Mas não. O dia está feio e nada o torna mais bonito visto daqui. Suponho, no entanto, que poderia ser interessante vê-la e sinto essa curiosidade aguçar-se dentro de mim lentamente. Olhando para o relógio sei que tenho poucos minutos antes da confeitaria fechar e pondero os outros locais de observação. É engraçado que colocado nesta situação rapidamente o meu corpo reconhece todos os passos e procedimentos. É como sentir qualquer coisa a propósito de uma música ou de um cheiro, um transporte rápido para outra qualquer versão de nós.

Foi muito tempo.

Não vale a pena. O dia está molhado e escuro. Desisto e pago a conta. Saio.

Enquanto meto a chave à porta do carro vejo o seu reflexo nos charcos de água escura que se formam no alcatrão. Levanto rapidamente os olhos e sobressalto-me com a possibilidade. E, subitamente apercebo-me... ela é tão banal quanto eu.

(fim)
O próprio. Os filhos da puta são muito dados a ter sorte na vida...
Nada a fazer.